Mais cedo não é necessariamente melhor
Publicado por 31 de Agosto de 2018 em Cochrane Brazil
Esta é a tradução para o Português do nono blog da série de 36 blogs baseada em uma lista de ‘Conceitos Fundamentais’ desenvolvidos pela equipe do projeto Informed Health Choices. Leia a versão em Inglês aqui. Agradecimentos a Ney Duarte Neto e a Cochrane Brazil Rio de Janeiro pela tradução.
É intuitivo pensar que quanto mais cedo você detectar um problema de saúde, melhor. Os programas de triagem são implementados exatamente para esse propósito – para detectar problemas de saúde que ainda não se manifestaram com sintomas. Às vezes, o rastreio é útil, por exemplo, para detectar e tratar a pressão arterial elevada assintomática para prevenir doenças cardiovasculares. No entanto, o rastreamento às vezes causa mais dano do que benefício. Vejamos alguns exemplos.
Quando o rastreio é benéfico
Fenilcetonúria (FCU) é uma desordem hereditária rara (1). Crianças com FCU são incapazes de metabolizar a fenilalanina, uma substância encontrada em alimentos como leite, carne e ovos. Sem tratamento precoce, crianças com FCU podem desenvolver dano cerebral grave, vômitos recorrentes e tremores. Felizmente, no Reino Unido, os bebês recebem rastreamento sérico de rotina aos 5 dias de idade (2). Algumas gotas de sangue são retiradas do calcanhar do bebê e o sangue é usado para testar nove condições raras, graves, porém tratáveis, incluindo FCU. Com o diagnóstico precoce e o tratamento correto, a maioria das crianças é capaz de ter uma vida saudável.
Quando o rastreio pode ser prejudicial
O câncer de próstata é o câncer mais comum que afeta os homens no Reino Unido (3). Embora possa ser muito grave e se espalhar rapidamente para outras partes do corpo, frequentemente ele se desenvolve lentamente e talvez nunca represente um perigo para a saúde durante a vida de um homem [4]. O tratamento para o câncer de próstata tende a ser desagradável e pode resultar em incontinência e impotência. Como a FCU, exames de sangue são usados para pesquisar câncer de próstata. No entanto, ao contrário da triagem de sangue de FCU, para câncer de próstata essa triagem não é confiável.
Quando uma amostra de sangue é retirada de homens, os níveis de Antígeno Prostático Específico (PSA) no sangue são avaliados. Um alto nível de PSA pode ser um sinal de câncer. No entanto, uma em cada cinco pessoas que realmente sofrem de câncer de próstata não terá o teste positivo quando rastreadas, de modo que esses indivíduos seriam perdidos pela triagem (4).
Além disso, medicações sem receita médica, infecções e os tumores de próstata benignos podem fazer com que as pessoas tenham níveis sanguíneos elevados de PSA. Estas pessoas, portanto, seriam positivos para o câncer de próstata quando de fato são perfeitamente saudáveis. Esses indivíduos seriam levados a acreditar que têm câncer. Isso pode ser uma causa de grande sofrimento para o indivíduo.
Pesquisas sobre rastreamento de câncer de próstata mostram que os testes atuais para substâncias específicas no sangue não são capazes de confirmar ou excluir o câncer de próstata com certeza suficiente (5). Esta incerteza claramente cria problemas. O rastreio deve dar às pessoas uma noção de sua saúde e permitir que elas reajam de acordo, mas nunca resultados não confiáveis gerados por testes de triagem imprecisos.
Quando devemos rastrear?
- Quando há um tratamento eficaz disponível para a doença a qual foi rastreada
- Quando a detecção precoce proporciona benefícios (ou seja, pessoas que são tratadas antes do surgimento da doença devem evoluir melhor do que as pessoas que são tratadas após a ocorrência da doença).
- Quando o rastreio é suficientemente preciso para que o “sobrediagnóstico” e o “subdiagnóstico” sejam raros.
Se a detecção precoce não melhorar a sua saúde, não há porquê rastrear. O rastreio com resultados incertos é muitas vezes pior do que nenhum rastreio, uma vez que pode causar grande ansiedade, bem como levar algumas pessoas a receberem tratamentos que possuem efeitos colaterais, quando nenhum tratamento era necessário. Ainda pode levar outras pessoas a acreditar que são saudáveis quando, na realidade, elas não são. A detecção precoce correta da doença pode ser muito útil, mas a detecção precoce da doença não é necessariamente melhor.
Não devemos assumir que a detecção precoce de um problema de saúde vale a pena, a menos que isso seja demonstrado ser o caso. Precisamos considerar as evidências. Para determinar se a detecção precoce de uma doença leva a melhores desfechos, devemos observar comparações justas de desfechos em pessoas rastreadas com pessoas que não foram rastreadas.