Mais não significa necessariamente melhor
Publicado por 20 de Agosto de 2018 em Cochrane Brazil
Este blog é a tradução para o Português do oitavo de uma série de 36 blogs, baseados em uma lista de ‘Conceitos Fundamentais’ desenvolvido pela equipe do projeto Informed Health Choices. Leia a versão em Inglês aqui. Agradecimentos à Marília Ferreira e à Cochrane Brazil Rio de Janeiro pela tradução.
Parece lógico pensar que se um tratamento tem efeito benéfico, quanto mais for aplicado ainda maiores serão os benefícios. Entretanto, em relação à interveções terapêuticas, pode haver ‘excesso de algo positivo’. Receber a medida certa de um tratamento é como atingir a temperatura certa da água durante o banho.
Se você recebe pouco tratamento, seu problema não será resolvido; será desagradável como um banho frio. Receba muito tratamento e você poderá ser prejudicado, como quando você se queima em um banho muito quente. Tenha a quantidade certa de tratamento e seu problema começará a sumir; você se sentirá bem. Assim como em um banho com a temperatura certa.
Anti-histamínicos
Infelizmente, exceder-se no tratamento, às vezes, é mais sério que exagerar na temperatura do banho. Anti-histamínicos orais podem ser efetivos no tratamento da rinite alérgica sazonal, também conhecida como febre dos fenos (‘hay fever’). Tomar a dose certa, orientada por um médico, farmacêutico ou seguindo as sugestões da bula, pode melhorar o prurido dos olhos e melhorar a obstrução nasal. [1][2]
Porém, tomar demais pode ser perigoso. Usar muito anti-histamínico pode causar problemas cardíacos e afetar a coordenação [3]. Em muitos casos, as patologias cardíacas causadas podem ser fatais [4]. É por isso que testar os tratamentos é tão importante. Se os anti-histamínicos nunca tivessem passado por ensaios clínicos, ninguém saberia qual dose seria benéfica e qual seria prejudicial.
Vitaminas
E em relação ao que não é droga? Usar vitaminas, por exemplo. Vitaminas são essenciais para o funcionamento normal do nosso corpo. Você poderia usá-las de forma excessiva?
Vitamina D tem recebido atenção especial, segundo uma revisão de evidências do Comitê Científico Consultivo em Nutrição (SACN) [5]. A revisão sugere que, algumas pessoas, precisam de suplementação de vitamina D para assegurar melhor saúde de ossos e músculos. Uma revisão Cochrane recente evidenciou que essa suplementação provavelmente também reduz o número de episódios de asma severa, quando usado ao lado das medicações comuns para asma [6].
Assim como com os fármacos, você também pode usar suplementação de vitaminas de forma exagerada. Tomar muita vitamina D pode gerar muito cálcio acumulado em seu sangue. Isso pode prejudicar seus ossos ao invés de ajudá-los. Níveis elevados de cálcio podem também afetar seu coração e rins [7].
Câncer de Mama
A crença em que quanto mais tratamento melhor tem levado muitos pacientes com câncer de mama a receber tratamentos que causam prejuízos evitáveis [8]. Nos tempos iniciais do tratamento do câncer de mama, os médicos acreditavam que o câncer se disseminava lentamente de um lugar para outro. E através da remoção de uma área maior ao redor da mama, eles pensavam que a cirurgia seria mais eficaz. Alguns cirurgiões chegaram a remover os ovários das pacientes e até amputar braços do mesmo lado do câncer, em alguns casos, apenas porque pensavam que quanto maior a cirurgia, melhor seria o resultado. Graças às pesquisas feitas desde então, sabemos que cirurgias mutilantes são desnecessárias e que tratamentos menos extremos são efetivos. A aceitação dessas evidências foi provavelmente postergada pela mentalidade do ‘mais é melhor’ e, contudo, 150 cirurgias radicais de mama ocorreram no Japão recentemente em 2003. É importante que os profissionais de saúde e o público observem os perigos da mentalidade ‘mais é melhor’ para evitar prejuízos desnecessários.
Alcançando o ideal
Como os exemplos mostrados acima, saber “quanto” tratamento é necessário é muito importante. Testar os tratamentos nos possibilita observar o quanto necessitamos para atingir o efeito benéfico, enquanto evitamos os danos do excesso. É importante lembrar que aumentar a dose ou a quantidade de tratamentos frequentemente aumenta os danos, sem aumentar os benefícios.