Desfechos finais e desfechos intermediários 

Publicado por 24 de Julho de 2021 em

Tutoriais e Fundamentos

 

Em um cenário ideal, os desfechos primários dos ensaios clínicos deveriam responder a questões que impactassem diretamente a vida dos participantes, ou seja, serem clinicamente relevantes (1,2,3). Por exemplo, em um estudo para avaliar a eficácia de um novo medicamento antineoplásico, o desfecho primário poderia ser a cura da doença, ou então, o aumento no tempo de vida do paciente. 

Entretanto, a realização de um ensaio clínico controlado randomizado exige organização, planejamento, investimento financeiro, longo tempo de acompanhamento, grande número de profissionais na equipe, tamanho amostral significativo, além das considerações éticas, que podem restringir a escolha de alguns desfechos. Em alguns casos, essas exigências acabam limitando e até impossibilitando a execução do estudo. Sendo assim, os pesquisadores precisam buscar alternativas que viabilizem a condução do ensaio clínico, reduzindo o número de participantes e o tempo de acompanhamento, ou escolhendo desfechos intermediários, por exemplo (3-8).

Desfechos intermediários (ou substitutos) são medidas que podem ser laboratoriais, fisiológicas, radiográficas ou biomarcadores, que são usados para substituir um desfecho final com o objetivo de tentar predizer o efeito clínico da intervenção avaliada (3, 7, 9).  Alguns exemplos de desfechos intermediários são: 

  • Valores de pressão arterial e níveis de colesterol sérico substituindo a ocorrência de eventos cardiovasculares (desfecho final);
  • Tamanho tumoral substituindo a sobrevida ou a cura em pacientes oncológicos,
  • Contagem de linfócitos em pacientes com o vírus da imunodeficiência adquirida (HIV), substituindo a incidência de infecções oportunistas ou outra alteração clínica (3, 6);
  • Imagens radiográficas para avaliar a progressão da cárie dentária;
  • Contagem de micro-organismos para avaliação de doença periodontal substituindo a avaliação clínica;
  • Densidade mineral óssea substituindo a incidência de fraturas em pessoas com osteoporose.

A escolha de desfechos intermediários pode ser justificada em algumas situações como: minimização dos efeitos colaterais decorrentes da intervenção, aprovação de nova técnica, novo medicamento ou nova alternativa de tratamento e redução no número de pacientes expostos durante o estudo. Além desses, alguns pesquisadores utilizam desfechos intermediários como justificativa para a redução de custos e tempo de execução do estudo. Ainda assim, é preciso ter cautela nesta escolha, pois nem sempre o desfecho intermediário pode predizer com acurácia o desfecho clinicamente relevante (4, 10).

Para que um desfecho intermediário seja capaz de avaliar de modo adequado o efeito de uma intervenção, é preciso que ele esteja na via causal do desfecho final, seja um preditor do desfecho clinicamente relevante. Porém, para estabelecer uma relação de causalidade é fundamental conhecer de forma profunda o processo de desenvolvimento fisiopatológico da doença. Em alguns casos pode haver apenas uma associação e não uma relação de causalidade (2, 5).  Um exemplo clássico é o do estudo que avaliou o uso de medicamentos antiarrítmicos para regular batimentos cardíacos em pacientes pós-infarto agudo do miocárdio e consequentemente, reduzir o índice de mortalidade. O desfecho intermediário era a supressão de arritmias e o desfecho final, a redução nos casos de morte súbita. Os estudos preliminares mostraram que as drogas eram efetivas em controlar os batimentos cardíacos, porém, a longo prazo, houve um número maior de mortes no grupo que usava o medicamento quando comparado com o grupo que usou placebo. Muitas vidas foram perdidas e colocadas em risco pela utilização desses medicamentos (5, 7, 11).

Portanto, a escolha de desfechos intermediários e a interpretação de seus resultados devem ser feitas com muito cuidado e avaliando a relação risco-benefício aos pacientes. Sempre que possível, a prática clínica deve basear suas escolhas a partir de estudos que incluíram desfechos clinicamente relevantes. 

AUTORIA: Laís Rueda Cruz

Cirurgiã-dentista pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutoranda em Odontologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

 

Referências Bibliográficas

1. Schultz A, Saville BR, Marsh JA, Snelling TL. An introduction to clinical trial design. Paediatr Respir Rev. 2019;32:30-5.

2. Thiese MS. Observational and interventional study design types; an overview. Biochem Med (Zagreb). 2014;24(2):199-210.

3. Pannuti CM, Sendyk DI, GraCas YTD, Takai SL, SabOia VPA, Romito GA, et al. Clinically relevant outcomes in dental clinical trials: challenges and proposals. Braz Oral Res. 2020;34 Suppl 2:e073.

4. Pedrazzi V, Figueiredo FAT, Adami LE, Furlaneto F, Palioto DB, Messora MR. Surrogate endpoints: when to use and when not to use? A critical appraisal of current evidences. Braz Oral Res. 2020;34 Suppl 2:e074.

5. Mendes FM, Braga MM, Passaro AL, Moro BLP, Freitas RD, Gimenez T, et al. How researchers should select the best outcomes for randomised clinical trials in paediatric dentistry? Int J Paediatr Dent. 2020;31 Suppl 1:23-30.

6. Fleming TR, DeMets DL. Surrogate end points in clinical trials: are we being misled? Ann Intern Med. 1996;125(7):605-13.

7. Coutinho MSSA. [Surrogate and relevant clinical endpoints. What are they and how to interpret them?] Rev Bras Hipertens. 2002 Jan/Mar;(1):24-8. Portuguese.

8. Prentice RL. Surrogate endpoints in clinical trials: definition and operational criteria. Stat Med. 1989;8(4):431-40.

9. Weintraub WS, Luscher TF, Pocock S. The perils of surrogate endpoints. Eur Heart J. 2015;36(33):2212-8.

10. Svensson S, Menkes DB, Lexchin J. Surrogate outcomes in clinical trials: a cautionary tale. JAMA Intern Med. 2013;173(8):611-2.

11. Robb MA, McInnes PM, Califf RM. Biomarkers and Surrogate Endpoints: Developing Common Terminology and Definitions. JAMA. 2016;315(11):1107-8.

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