O fenômeno dos Preprints
Publicado por 20 de Janeiro de 2022 em Estudantes para Melhores Evidências
Contexto
O processo editorial para publicação de manuscritos em periódicos científicos, embora possa contribuir com a qualidade do conteúdo, é quase sempre complexo, custoso e demorado.
No contexto da pandemia de Covid-19, a sociedade exigiu da comunidade científica urgência na disseminação de conhecimento para respaldar condutas sobre cuidados em saúde. Paralelamente, a longa espera pela conclusão do processo editorial para que um estudo fosse publicado em periódicos e só então se tornasse disponível passou a ser considerada inadmissível, dado que atrasava a obtenção de respostas cruciais e que poderia até implicar mais vidas perdidas na corrida contra a Covid-19.
O que são preprints
Preprints são documentos técnicos científicos veiculados de modo preliminar às suas versões revisadas por pares, e que se tornaram rapidamente um fenômeno na área da saúde como uma forma de disponibilizar o conhecimento de forma célere.
Os preprints surgiram na década de 1990 como uma forma de open science, e têm sido muito utilizados na área das ciências exatas por terem um fluxo de publicação descomplicado e rápido. Este fluxo envolve apenas o envio do manuscrito pelo autor a uma base específica para este formato, que se encarrega de armazená-lo e disponibilizá-lo em alguns dias, ou até mesmo horas, sem realizar qualquer tipo de revisão. Ao fim deste curto processo, o manuscrito recebe um DOI (Digital Object Identifier, Identificador de Objeto Digital) e toda a comunidade tem acesso livre e fácil a ele, garantindo características que têm contribuído para o sucesso dos preprints: acessibilidade, democratização e ineditismo
Incluindo preprints em revisões sistemáticas e outras sínteses de evidências
Considerando a celeridade e o ineditismo associados aos preprints, a busca por estudos em bases de preprints durante uma revisões sistemáticas tem sido bastante discutida. Muitos estudos com alta qualidade metodológica e relevância são disponibilizados nessas bases enquanto aguardam a conclusão do processo editorial tradicional em um periódico.
O quadro abaixo apresenta o período entre a publicação do preprint no MedRxiv® e a publicação do artigo em periódico indexado para os estudos do projeto RECOVERY, que norteou a tomada de decisão terapêutica para Covid-19.
Vantagens dos preprints
- Contribuem para assegurar o ineditismo;
- Agilizam a disseminação dos resultados do estudo;
- Contribuem para a ciência aberta;
- Suas bases possuem um processo editorial rápido e simples;
- O conteúdo publicado pode ser atualizado à medida que dados posteriores são adicionados;
- Permitem correções após disponibilização, promovendo de forma clara a fluidez do conhecimento científico em detrimento da estaticidade;
- Permitem que o conteúdo seja aprimorado com base nas críticas enviadas pelos leitores;
- Parecem aumentar a citação do artigo quando publicado no periódico indexado e, embora não seja esse o objetivo principal, podem promover um aumento das métricas editoriais dos periódicos e dos autores.
Limitações dos preprints
- Não estão sujeitos à revisão por pares.
- Estão mais sujeitos a plágio, fraude, vieses e erros, intencionais ou não.
- Maior risco de informações faltantes sobre métodos e resultados, o que pode impactar negativamente o processo de uma revisão sistemática, quando incluídos.
- Risco de receber comentários e críticas não construtivas que podem influenciar a revisão por pares durante um posterior processo editorial.
- Bases de preprints ainda possuem sistemas limitados para busca e exportação de resultados de buscas.
Portanto, é nítida a ambivalência entre preprints e publicações tradicionais em periódicos indexados. Por um lado, as publicações tradicionais podem se beneficiar de um bom processo editorial que seja seletivo na qualidade, e que poderia minimizar problemas e impedir fraudes e plágios. Por outro lado, este processo é financeiramente custoso para o autor, e demasiadamente demorado em alguns cenários. Já os preprints, embora tenham o aspecto positivo de terem um processo descomplicado, com velocidade de disponibilização, maior acessibilidade ao conhecimento, estão sujeitos às potenciais consequências da falta de revisão editorial e por pares, colocando em xeque a qualidade geral do conteúdo disponível neste formato.
Conclusão
O fenômeno dos preprints alertou a comunidade científica para a necessidade de repensar e transformar o processo editorial tradicional adotado pela maioria dos periódicos indexados. Garantia de rigor metodológico, revisão criteriosa, ágil e transparente, ampliação de acesso e rapidez na disponibilização do conteúdo são aspectos que devem nortear esta transformação.
Autores
Mariana C. Caruso e Julio Benicio. Alunos de graduação do curso de Medicina, Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Referências
- Pacheco RL, Martimbianco ALC, Riera R. The rhetoric of preprints. Evidence Healthcare Journal. 2021;3. https://doi.org/10.17267/2675-021Xevidence.2021.e3732.
- Fraser N, Brierley L, Dey G, Polka JK, Pálfy M, Nanni F, et al. The evolving role of preprints in the dissemination of COVID-19 research and their impact on the science communication landscape. PLoS Biol 2021;19:e3000959. https://doi.org/10.1371/journal.pbio.3000959.
Damasio E. Preprints na comunicação científica: uma introdução. Biblos 2019;32:155–68. https://doi.org/10.14295/biblos.v32i2.8635.