Ferramenta de risco de viés “Cochrane Risk of Bias”: versão 1.0 e versão 2.0 (RoB 2.0)
Publicado por 20 de Março de 2022 em Estudantes para Melhores Evidências
Introdução
A avaliação do risco de viés de um estudo é uma etapa essencial da prática clínica baseada em evidências e do processo de desenvolvimento de uma revisão sistemática. Ignorar potenciais vieses dos estudos primários incluídos em uma revisão sistemática pode impactar diretamente os resultados e levar a conclusões equivocadas.
Ferramenta Cochrane RoB 1.0
Para as revisões sistemáticas que incluem ensaios clínicos randomizados, o Cochrane Handbook for Sytematic Reviews of Interventions, em sua edição 5.0, publicada em 2008 e atualizada em 2011, recomendava o uso da ferramenta Cochrane Risk of Bias Table (RoB 1.0)¹. Esta ferramenta é composta por sete domínios e, de acordo com o julgamento dos revisores, o estudo/desfecho é classificado como apresentando risco de viés alto, baixo ou incerto (Quadro 1).
Para os domínios “mascaramento de participantes e equipe”, “mascaramento dos avaliadores dos desfechos” e “dados incompletos dos desfechos”, a unidade de avaliação para o julgamento é o desfecho e não o estudo como um todo.
Quadro 1. Domínios da ferramenta Cochrane Risk of Bias Table (RoB table)¹
Ferramenta Cochrane RoB 2.0
Em 2018, uma nova versão da ferramenta passou a ser recomendada no Cochrane Handbook, a RoB 2.0 (Quadro 2)². A nova ferramenta avalia o risco de viés por meio da síntese dos resultados do estudo e não mais pela análise individual do estudo e seus desfechos. É estruturada em cinco domínios que possuem “perguntas sinalizadoras”, que são informações adicionais relevantes para a avaliação do risco de viés. As opções de resposta às “perguntas sinalizadoras” são: “sim”, “provavelmente sim”, “provavelmente não”, “não”, “não há informação’” e “não aplicável”. As respostas definitivas “sim” e “não” frequentemente indicam que evidências robustas estão disponíveis. A opção “não aplicável” está disponível apenas para perguntas com resposta não obrigatória. Ao longo da aplicação da ferramenta, as respostas alimentam um algoritmo que determina o risco de viés para cada domínio: alto risco de viés, baixo risco de viés ou presença de alguma preocupação quanto ao viés.
Quadro 2. Domínios da ferramenta Cochrane Risk of Bias Table (RoB 2.0) ²
Na RoB 2.0, as respostas sinalizadoras confirmam os métodos adotados no estudo e subsidiam o julgamento para cada domínio. Por sua vez, este Esses julgamento subsidia a determinação do risco de viés global para o resultado do estudo³. O Quadro 3 apresenta as alterações incorporadas na versão RoB 2.0.
Quadro 3. Alterações incorporadas na nova versão da ferramenta Cochrane RoB 2.0
Como é possível notar, a RoB 2.0 é estruturada de forma mais complexa do que a RoB 1.0. Entretanto, algumas questões importantes foram removidas e é provável que causem impacto na avaliação final do risco de viés.
Na Rob 2.0, a ausência da avaliação de relato seletivo dos desfechos (viés de relato) tem sido discutida. Nos ensaios clínicos randomizados, os desfechos de interesse devem ser definidos previamente e divulgados. O viés de relato seletivo acontece em inúmeras situações, como, por exemplo, quando os desfechos planejados e/ou seus resultados não são relatados, são relatados de modo incompleto ou na publicação final do estudo, levando à possível superestimativa dos benefícios e subestimativa dos danos das intervenções4.
Por outro lado, a RoB 2.0 apresenta um potencial vantagem levantada por parte da comunidade científica, que seria a apresentação de uma avaliação global, que inexiste na RoB 1.0.
Conclusão
Conhecer as diferentes versões desta importante ferramenta, as limitações de cada versão e saber interpretar seus resultados auxilia no processo de avaliação crítica no cenário prático e na condução de revisões sistemáticas.
Autora: Kamilla Mayr Martins Sá. Aluna de graduação de Medicina da Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES).
Referências
- Higgins JPT, Green S (editors). Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions Version 5.1.0 [updated March 2011]. The Cochrane Collaboration, 2011. Disponível em: www.handbook.cochrane.org. Acessado em 18 de março de 2022.
- Higgins JPT, Savović J, Page MJ, Elbers RG, Sterne JAC. Chapter 8: Assessing risk of bias in a randomized trial. In: Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, Cumpston M, Li T, Page MJ, Welch VA (editors). Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions version 6.3 (updated February 2022). Cochrane, 2022.Disponível em: www.training.cochrane.org/handbook. Acessado em 18 de março de 2022.
- Sterne JAC, Savović J, Page MJ, Elbers RG, Blencowe NS, Boutron I, Cates CJ, Cheng H-Y, Corbett MS, Eldridge SM, Hernán MA, Hopewell S, Hróbjartsson A, Junqueira DR, Jüni P, Kirkham JJ, Lasserson T, Li T, McAleenan A, Reeves BC, Shepperd S, Shrier I, Stewart LA, Tilling K, White IR, Whiting PF, Higgins JPT. RoB 2: a revised tool for assessing risk of bias in randomised trials. BMJ 2019; 366: l4898.
- Catalogue of Bias Collaboration, Thomas ET, Heneghan C. Outcome reporting bias. In: Catalogue Of Biases 2017: www.catalogueofbiases.org/outcomereportingbias