Como avaliar associação causal: critérios de Bradford Hill
Publicado por 26 de Abril de 2022 em Estudantes para Melhores Evidências
Associação versus causalidade
Começamos este post relembrando que associação e causalidade não são sinônimos:
- Associação: relação entre variáveis; as variáveis X e Y são frequentemente encontradas juntas em uma população ou condição de saúde. Isso pode ser devido ao acaso, a fatores confundidores ou a uma relação causa-efeito, por exemplo.
- Causalidade: relação causa-efeito comprovada entre variáveis, e a presença da variável X na população é causada pela presença da variável Y nesta população.
Para exemplificar, a confusão entre estes dois termos foi abordada no artigo Chocolate Consumption, Cognitive Function, and Nobel Laureates, publicado em 2012 no The New England Journal of Medicine. 1 Este artigo relaciona, de modo ilustrativo, o maior consumo de chocolate com a maior quantidade de prêmios Nobel conquistados por um país. O objetivo do autor foi diferenciar os dois termos e alertar sobre a importância da adoção de critérios adequados para estabelecer um relação causal (causa-efeito) entre dois fatores ou variáveis.
Critérios de causalidade
Como então é possível distinguir, de modo mais sistematizado e objetivo, o que é associação e o que é causa?
Bom, vamos lá! Em 1965, Austin Bradford Hill, epidemiologista e estatístico inglês, pioneiro em ensaios clínicos randomizados, publicou o artigo O Ambiente e a Doença: Associação ou Causalidade?.2 O objetivo do estudo relatado no artigo foi investigar uma associação causa-efeito entre tabagismo e câncer de pulmão e, devido ao seu importante papel em diferenciar os termos “associação” e “causalidade”, o artigo é amplamente referenciado até hoje quando o tema é causalidade.
Assim, para apoiar nesta distinção, utilizamos os critérios de causalidade propostos por Bradford Hill e que estão apresentados e exemplficados no Quadro 1 a seguir.
Quadro 1. Critérios de causalidade de Bradford Hill 2,3
Critério | Definição | Exemplos | |
1 | Força da associação
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Quanto maior força de associação entre os fatores ou variáveis, maior a probabilidade de haver causalidade.
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Em um estudo, a força da associação entre os fatores ou variáveis pode ser estimada pelas medidas de tamanho de efeito (medidas-resumo), como rico relativo, odds ratio e hazard ratio, por exemplo.
Nas décadas de 1840 e 1850, um estudo muito famoso do britânico John Snow identificou fatores associados com a epidemia de cólera da época, indicando maior mortalidade relacionada a alguns reservatórios de água. Apesar de não identificar a causa da doença, uma vez que não se tinha o conhecimento de bactérias, a força de associação foi importante para o controle da epidemia.4 |
2 | Consistência
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Quanto maior a consistência da associação, maior a probabilidade de haver causalidade.
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A associação entre os fatores ou variáveis é observada com frequência, e de modo consistente, em diferentes populações e/ou diferentes estudos. |
3 | Especificidade
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Quando há uma especificidade na associação entre a causa e o efeito, há maior a probabilidade de haver causalidade.
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Uma causa, um efeito; um efeito, uma
causa. Presença de especificidade: somente o vírus HIV pode causar AIDS; AIDS é causada apenas pelo vírus HIV. Síndrome de Down é causada pela mutação do 21;
Ausência de especificidade: câncer de pulmão está associado a vários fatores, além do tabagismo; tabagismo está associado a várias outras doenças, além de câncer de pulmão.
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4 | Temporalidade
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O fator causal deve preceder o fator efeito. | A temporalidade, diferentemente dos outros critérios, é essencial para estabelecer causalidade.
A exposição ao fator deve vir antes do surgimento da doença. |
5 | Gradiente dose-resposta | Quando há gradiente doe-resposta, há maior probabilidade de haver causalidade.
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Quanto maio o tempo/intensidade da exposição ao álcool, maior o risco de cirrose |
6 | Plausibilidade
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Quando há plausibilidade, há maior probabilidade de haver causalidade.
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A plausibilidade recorre ao conhecimento atual e, a partir disso, da lógica intrínseca à relação causal. No entanto, resultados experimentais de laboratório nem sempre estão disponíveis, forçando, dessa forma, com que se recorra a crenças anteriores. |
7 | Coerência | Quando há coerência, há maior probabilidade de haver causalidade.
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A coerência dialoga com a plausibilidade. Em inúmeras situações, já existe um conhecimento prévio e informações bem estabelecidas. Considerando isso, para que haja coerência, a nova evidência não deve se opor à evidência atual.
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8 | Analogia
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Quando há analogia, há maior probabilidade de haver causalidade.
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A analogia é uma característica que depende da transferência de um determinado conhecimento sobre um determinado mecanismo para situações antes não relacionadas,
mas que apresentam efeitos semelhantes. O tabagismo está associado ao câncer de pulmão; por analogia, o consumo de cigarro de cannabis poderia também se associar ao câncer de pulmão.
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9 | Evidência experimental
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Quando há evidência experimental, há maior probabilidade de haver causalidade. | Quando possível e ética, a evidência experimental (intervenção) é um critério importante para determinar relação de causa e efeito.
Exemplo: ensaio clínico randomizado cujos resultados mostram que a redução dos níveis de colesterol LDL se associou a menor risco de eventos cardiovasculares.
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Atividade prática
Você pode utilizar estes critérios para avaliar estudos que se proponham a identificar uma associação causal. Pratique agora aplicando os critérios de Bradford Hill no artigo citado anteriormente Chocolate Consumption, Cognitive Function, and Nobel Laureates, publicado em 2012 no The New England Journal of Medicine. 1 (https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMon1211064?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed).
Conclusão
Estabelecer corretamente associações de causa-efeito é fundamental na área da saúde e estabecer associações espúrias também é perigoso. Desse modo, os critérios de Bradford Hill são úteis para apoiar ou refutar uma hipótese de cusalidade.
Autores: André Magalhães Guedes de Souza, Arthur Vinícius Tafarello Farto, Marcela Almeida Bazaga e Sandro Enzo Ikezili. Estudantes da graduação de medicina da Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Supervisora: Rachel Riera. Professora adjunta, Disciplna de Medicina Baseada em Evidências, Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Citar como: de Souza AMG, Farto AVT, Bazaga MA, Ikezili SE, Riera R. Como avaliar associação causal: critérios de Bradford Hill. Estudantes para Melhores Evidências. Cochrane. Disponível em: [adicionar link da página da web]. Acessado em: [adicionar dia, mês e ano de acesso].
Referências
- Messerli FH. Chocolate consumption, cognitive function, and Nobel laureates. N Engl J Med. 2012;367(16):1562-4. doi: 10.1056/NEJMon1211064. Epub 2012 Oct 10. PMID: 23050509.
- Hill AB. The environment and disease: association or causation? Proc R Soc Med. 1965;58(5):295-300. PMID: 14283879; PMCID: PMC1898525.
- Fedak KM, Bernal A, Capshaw ZA, Gross S. Applying the Bradford Hill criteria in the 21st century: how data integration has changed causal inference in molecular epidemiology. Emerg Themes Epidemiol. 2015 Sep 30;12:14. doi: 10.1186/s12982-015-0037-4. PMID: 26425136; PMCID: PMC4589117.
- Snow J. On the mode of communication of cholera. 2nd ed. London: Churchill, 1855.