Ensaio Clínico Adaptativo

Publicado por 13 de Maio de 2022 em

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Contexto

O ensaio clínico é um desenho de estudo epidemiológico que tem como objetivo avaliar os efeitos de intervenções em saúde e, portanto, é utilizado para apoiar a tomada de decisão.

Quanto ao momento de entrega das intervenções aos participantes, os ensaios clínicos podem ser classificados em [1]:

● Paralelos: a intervenção é entregue simultaneamente ao grupo teste e ao grupo controle.

● Crossover: todas as intervenções comparadas são entregues a todos os grupos de participantes, porém em momentos diferentes, configurando as fases do estudo. Como exemplo, na fase 1 o grupo A recebe intervenção teste e o grupo B recebe a intervenção controle; na fase 2 (na sequência), o grupo B recebe intervenção teste e grupo A recebe a intervenção controle.

● Adaptativos: modelo de maior flexibilidade, com adaptação das intervenções recebidas ao longo do estudos, com o objetivo de simular o que aconteceria na realidade.

Ensaio clínico adaptativo – definição

O desenho adaptativo é caracterizado por um modelo de maior flexibilidade, ou seja, após a coleta de dados inicial existe uma análise interina a partir da qual é possível fazer ajustes ao delineamento do estudo como a retirada de um dos seus grupos de intervenção, aumento do tamanho da amostra, alteração de critérios de inclusão de participantes. Um ensaio clínico adaptativo adequado pressupõe que as possibilidades de flexibilização estejam pré-estabelecidas no seu protocolo que, por sua vez, deve ser registrado e divulgado antes do início da execução do ensaio clínico [2].

 

Figura 1. Delineamento de um ensaio clínico adaptativo.

 

Fonte: Adaptado de Gomes 2012 [1]

Tipos de ensaios clínicos adaptativos

Os seguintes tipos de ensaios clínicos adaptativos podem ser identificados na literatura [3]:

● Adaptativo de dosagem: os participantes são alocados para várias doses, e as respostas são avaliadas em análises interinas. Então, o estudo se adapta para alocar mais pacientes para as doses de maior interesse.

● Adaptativo de hipótese: as hipóteses do estudo podem ser adaptadas de acordo com os resultados da análise interina. Por exemplo, várias hipóteses podem ser testadas simultaneamente ou as hipóteses nula e alternativa podem se alternar.

● Adaptativo de grupo sequencial: após a análise interina, existem opções pré-especificadas para adaptações possíveis. Exemplos incluem re-estimar o tamanho da amostra, alterar os braços de tratamento, mudar desfechos, entre outros.

● Adaptativo de randomização: após análise de resultados cumulativos, a randomização pode ser ajustada de forma que pacientes recrutados posteriormente tenham maior probabilidade de serem randomizados para o braço de tratamento mais efetivo para pacientes randomizados anteriormente.

● Fase 2/3 contínuo: combina os objetivos de ambas as fases de desenvolvimento clínico, evoluindo de uma para a outra sem interromper o processo de recrutamento de pacientes.

● Adaptativo de troca de tratamento: permite que o pesquisador troque o tratamento de um paciente por motivo de aparente falta de eficácia, progressão de doença ou preocupações com a segurança.

● Adaptativo de biomarcador: permite adaptações a partir da análise interina da resposta condicionada por biomarcadores, como biomarcadores genéticos.

● Escolha o vencedor/ esqueça o perdedor: permite abandonar grupos de tratamento considerados inferiores, além de modificar braços de tratamento, após análise interina.

● Re-estimativa de amostra: permite o ajuste flexível do tamanho da amostra, ou novos cálculos a partir da análise interina.

● Adaptativo múltiplo: adota vários delineamentos adaptativos em um único estudo.

Vantagens dos ensaios clínicos adaptativos

● Realização de transições mais rápidas entre as fases de desenvolvimento clínico;

● Interrupção precoce de grupos de intervenções que se mostrarem “fúteis”, isto é, sem efeito ou com efeito danoso;

● Randomização de menos pacientes para um grupo de intervenção que se mostrou menos promissor na análise interina

● Ajuste do tamanho amostral evitando que o ensaio clínico tenha um poder estatístico insuficiente, reduzindo assim desperdício de recursos;

● Identificação de uma dose segura e clinicamente efetiva, com melhor compreensão da relação dose-resposta;

● Identificação de subgrupos de pacientes que podem se beneficiar mais de um tratamento [2].

Desvantagens dos ensaios clínicos adaptativos

● Por ser um delineamento relativamente recente, pesquisadores, financiadores e agentes de regulação do mercado farmacêutico ainda não estão certos sobre a confiança em seus resultados e sobre vieses específicos associados a ele;

● Comitês de ética em pesquisa tendem a ser conservadores em suas decisões e podem não aprovar a condução desses estudos, considerando modificações no tamanho amostral e nas intervenções;

● A distribuição estatística da estimativa de efeito do tratamento pode ser afetada, influenciando o intervalo de confiança e o valor de p;

● A análise interina pode gerar viés operacional, isto é, o conhecimento, o vazamento ou a especulação dos resultados interinos pode alterar o comportamento dos atores envolvidos no estudo (pesquisadores e pacientes);

● Os métodos utilizados ainda são pouco validados e disseminados [2].

Exemplos de ensaios clínicos adaptativos

Estudo Telmisartan and Insulin Resistance in HIV (TAILoR) [4]

● Objetivo: investigar os efeitos do telmisartan na redução da resistência insulínica em participantes com HIV em uso de terapia antiretroviral combinada

● Delineamento: ensaio clínico adaptativo de fase II.

● Intervenções: três doses do medicamento (20, 40, ou 80 mg) versus controle.

● Desfecho primário: resistência insulínica em 24 semanas

● Revisão: a análise interina foi realizada quando metade dos pacientes havia sido randomizada. A revisão dos resultados da análise interina levou à descontinuação

dos grupos referentes às duas menores doses, mantendo apenas o grupo 80 mg e controle.

● Consequência: o uso do modelo adaptativo permitiu que o recrutamento para doses mais promissoras fosse priorizado, reduzindo custos e número de pacientes necessários para recrutamento.

Estudo Combination Assessment of Ranolazine in Stable Angina (CARISA) [5]

· Objetivo: investigar os efeitos da ranolazina na capacidade de exercício de pacientes com angina crônica.

· Tamanho amostral: inicialmente para conseguir um poder de 90%, foi calculada a necessidade de 462 participantes, com aumento para 577 para compensar possíveis perdas.

· Revisão: após a randomização dos primeiros 231 participantes, os investigadores realizaram a análise interina planejada que demonstrou a necessidade de aumento da amostra total para 810 participantes para manter o poder de 90%.

· Consequência: o uso do modelo adaptativo preveniu aumento de erro do tipo 2 impedindo que o estudo tivesse pouco poder de análise por falta de participantes.

Conclusões

O ensaio clínico adaptativo pode trazer respostas adicionais em relação aos ensaios clínicos tradicionais. Entretanto, essa metodologia ainda precisa ser difundida e submetida à análises mais aprofundadas para garantir a confiança em seus resultados.

Autores: Cecília Menezes Farinasso, Lizianne Marques Curto e João Miori, alunos de pós-graduação em Saúde Baseada em Evidências, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Supervisora: Rachel Riera, MD, MSc, PhD. Professora adjunta, Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Citar como: Farinasso CM, Curto ML, Miori JAL, Riera R. Ensaios clínicos adaptativos. Estudantes para as melhores evidências (EME) Cochrane. Disponível em: [colar link]. Acessado em [dia, mês e ano].

Referências

1. Gomes RP, Pimentel VP, Landi AB, Pieroni, JP. Ensaios Clínicos no Brasil: competitividade internacional e desafios. Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/1504/2/A%20set.36_Ensaios%20cl%C3%ADnicos%20no%20Brasil.pdf. Acessado em 17 de abril de 2022.

2. Pallmann P, Bedding AW, Choodari-Oskooei B, et al. Adaptive designs in clinical trials: why use them, and how to run and report them. BMC Med. 2018;16(29) (2018). doi.:10.1186/s12916-018-1017-7

3. Bothwell LE, Avorn J, Khan NF, Kesselheim AS. Adaptive design clinical trials: a review of the literature and ClinicalTrials.gov. BMJ Open. 2018;8(2):e018320. Published 2018 Feb 10. doi:10.1136/BMJ open-2017-018320

4. Pushpakom SP, Taylor C, Kolamunnage-Dona R, Spowart C, Vora J, García-Fiñana M, et al. Telmisartan and insulin resistance in HIV (TAILoR): protocol for a dose-ranging phase IIrandomizedd open-labeled trial of telmisartan as a strategy for the reduction of insulin resistance in HIV-positive individuals on combination antiretroviral therapy. BMJ Open. 2015; 5:e009566.

5. Sendón JL, Lee S, Cheng ML, Ben-Yehuda O; CARISA study investigators. Effects of ranolazine on exercise tolerance and angina frequency in patients with severe chronic angina receiving maximally-tolerated background therapy: analysis from the Combination Assessment of Ranolazine In Stable Angina (CARISA) randomized trial. Eur J Prev Cardiol. 2012;19(5):952-9. doi: 10.1177/2047487312450133. Epub 2012 Jun 11. PMID: 22689417.

 

 

 

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