Mascaramento em ensaios clínicos
Publicado por 20 de Julho de 2021 em Estudantes para Melhores Evidências
Embora o termo ‘mascaramento’ (ou cegamento) seja familiar para muitos, ainda existem dúvidas sobre sua definição exata, como ele pode e deve ser implementado e qual o impacto da sua ausência nos resultados de ensaios clínicos ou outros desenhos de estudo.
O que é mascaramento?
O termo mascaramento se refere ao ato de manter o desconhecimento de participantes, equipe de pesquisadores e responsáveis pela administração da intervenção e pela avaliação dos desfechos, sobre a alocação de cada participante nos grupos de intervenção (1).
O mascaramento em ensaios clínicos tem como objetivo reduzir o risco de vieses resultantes deste conhecimento, evitando que o efeito observado da intervenção não seja diferente do efeito verdadeiro, tanto na direção quanto na magnitude (superestimado ou subestimado) (2).
Para manter o mascaramento, é importante adotar estratégias para que as intervenções comparadas tenham o mesmo aspecto físico e sejam administradas da mesma forma. Para isso, utiliza-se o placebo ou sham (denominação para o placebo de intervenções não farmacológicas).
Este ensaio clínico é mascarado?
As estratégias de mascaramento devem sempre ser descritas nos métodos estudo (3). Um modo simples de checar o mascaramento de um ensaio clínico é buscar pelas respostas de duas perguntas:
- Os participantes e a equipe responsável por aplicar a intervenção sabem o que cada participante está recebendo?
Veja que aqui, dois grupos de envolvidos são considerados em conjunto e para responder a esta pergunta como ‘não’, ambos devem contemplados. Se apenas um deles está ‘mascarado’, a resposta deve ser ‘sim’. A justificativa para que participantes e equipe responsável por aplicar a intervenção sejam avaliados em conjunto é que a proximidade entres eles durante a condução do estudo torna quase impossível que o conhecimento de um grupo sobre a alocação não seja ‘transmitido’ para o outro grupo durante o estudo.
- A equipe responsável por avaliar os desfechos sabe o que cada participante está recebendo?
Classificação dos ensaios clínicos quanto ao mascaramento
Quanto ao mascaramento, os ensaios clínicos podem ser classificados de acordo com a respostas obtidas para as perguntas acima.
Classificação do ensaio clínico | Pergunta 1
(participantes e a equipe responsável por aplicar a intervenção sabem o que cada participante está recebendo?) |
Pergunta 2
(avaliadores dos desfechos sabem o que cada participante está recebendo?) |
---|---|---|
Duplo cego | Não | Não |
Simples cego | Sim | Não |
Simples cego | Não | Sim |
Aberto | Sim | Sim |
Quais os vieses associados à ausência de mascaramento?
Na ausência de mascaramento, o risco de alguns vieses está aumentado, entre eles:
- Viés de condução (performance)
Por parte dos participantes, alguns podem não aderir ao tratamento proposto ou buscarem por outros tratamentos os quais acreditam ser mais benéficos caso saibam que estão no grupo placebo ou não recebam nenhuma intervenção. Já pesquisadores e equipe podem, de modo consciente ou inconsciente, modificar sua conduta no tratamento e no suporte dado aos participantes a depender do grupo de alocação.
- Viés de aferição (mensuração)
Os avaliadores dos desfechos podem, de modo consciente ou inconsciente, direcionar suas avaliações a depender do grupo de alocação dos participantes que estão avaliando.Desfechos objetivos, como mortalidade, têm menor risco de viés diante da ausência de mascaramento. Contudo, os desfechos subjetivos (como dor, qualidade de vida) são mais propensos à interferência dos participantes, equipe e/ou avaliadores dos desfechos, e podem ser superestimados ou subestimados (4).
Todos os ensaios clínicos devem ser mascarados?
Por mais que o mascaramento seja uma característica importante de um ensaio clínico, sua implementação nem sempre é viável devido, por exemplo, à natureza de algumas intervenções como procedimentos cirúrgicos, tratamentos fisioterapêuticos e psicológicos. Mas a regra é: sempre que for factível manter o mascaramento, ele deve ser utilizado.
Referências
- Devereaux PJ, Manns BJ, Ghali WA, Quan H, Lacchetti C, Montori VM, Bhandari M, Guyatt GH. Physician interpretations and textbook definitions of blinding terminology in randomized controlled trials. 2001 Apr 18;285(15):2000-3. doi: 10.1001/jama.285.15.2000.
- Schulz KF, Grimes DA. Blinding in randomised trials: hiding who got what. Lancet. 2002 Feb 23;359(9307):696-700. doi: 10.1016/S0140-6736(02)07816-9.
- Higgins JP, Thomas J, Chandler J, Cumpston M, Li T, Page MJ, Welch VA, editor(s). Cochrane for Systematic Reviews of Interventions Version 6.1 (updated September 2020). Cochrane, 2020. Available from training.cochrane.org/handbook.
- Catalogue of Bias Collaboration, Nunan D, Heneghan C. Lack of blinding. In: Catalogue Of Bias 2018. catalogueofbiases.org/biases/lackofblinding
Autor(a): Melissa Diniz Bandeira – Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES)