Patentes e propriedade intelectual de tecnologias em saúde

Publicado por 29 de Abril de 2024 em

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Contexto

A propriedade intelectual é uma ferramenta do direito para a proteção das criações do intelecto humano e na área de tecnologias em saúde diversas formas de proteção são comumente utilizadas sendo notável o destaque para a proteção por patentes [1].

O sistema de patentes existe formalmente desde o século XV e tem como finalidade garantir que o inventor de um produto ou de um processo industrial tenha o direito de exploração comercial exclusiva de sua invenção durante um prazo determinado, geralmente de 20 anos [2–5]. O início do prazo de proteção começa no momento em que o pedido é solicitado, conhecido como depósito do pedido de patente [4,5].

As patentes seguem o princípio da territorialidade, o que significa que os direitos devem ser solicitados em cada país onde a proteção é desejada e os direitos podem ou não ser concedidos pelos respectivos órgãos governamentais oficiais [4,5].

Critério para concessão de patentes

Existem quatro exigências legais para que um pedido de patente se torne uma patente concedida [4,5]. Os critérios podem ser da invenção ou do pedido de patente e estão resumidos na Quadro 1.

Quadro 1. Critérios para concessão de patentes [4,5].

Como é feita a análise de um pedido para registro de patente

Os processos de análises de pedidos de patente são realizados pelos órgãos governamentais de cada território, responsáveis pela avaliação e concessão [4,5]. A análises podem receber interferência da sociedade, seja de pessoas físicas, de empresas ou de associações [5]. No Brasil, as principais ferramentas para isso são:

· subsídios ao exame técnico, que consistem em documentos contendo argumentação devidamente embasada sobre a possibilidade ou impossibilidade de conceder um determinado pedido de patente conforme os critérios mencionados acima. Os documentos são enviados ao órgão oficial e o examinador irá avaliar os argumentos no momento do exame [5].

· nulidade de patentes concedidas, que também são documentos contendo argumentação embasada sobre os critérios mencionados acima. A diferença em relação ao subsídio é que nesse caso a patente já está concedida e o órgão oficial irá reavaliar seu exame, podendo ou não reverter a decisão [5].

· solicitações de exame prioritário, que podem ser solicitadas por diversas razões e por diferentes agentes, inclusive por agentes públicos no caso de tecnologias em saúde [9].

Atualmente, a análise de pedidos de patente no Brasil demora muitos anos. Sem um conhecimento exato de quais patentes serão concedidas, se torna incerta a data efetiva em que será possível a comercialização de outras versões da tecnologia, por exemplo, medicamentos genéricos e biossimilares.

O uso estratégico das solicitações de análise prioritária é uma importante ferramenta para incentivar empresas a investir em novas versões da tecnologia com mais segurança, aumentando a oferta e permitindo a redução do custo dos tratamentos em saúde.

Como costuma ser feita a proteção por patente das tecnologias em saúde?

A proteção por patentes é atualmente bastante utilizada para proteção de medicamentos, sintéticos ou biológicos, vacinas, kits diagnósticos e terapias avançadas [10–16].

Cada patente corresponde a uma única invenção, o que é chamado de unidade de invenção, a qual deve resolver um problema técnico [4,5]. A relação problema-solução é um ponto central para a avaliação do pedido de patente segundo os critérios mencionados acima.

Ao longo do processo de pesquisa e desenvolvimento das tecnologias em saúde existem diferentes problemas técnicos que precisam ser superados, o que resulta em múltiplos pedidos de patente para uma mesma tecnologia, cada um referente a um aspecto do produto, também chamado de objeto de proteção [17,18]. Este objeto de proteção varia conforme o produto e a estratégia da empresa desenvolvedora, sendo comum os seguintes padrões:

· Medicamentos: os medicamentos costumam estar protegidos por patentes referentes à própria molécula ou biomolécula, formas polimórficas, composições, processos de síntese ou fabricação industrial e usos terapêuticos ou segundo uso [11,12,15,16].

· Testes diagnósticos: os kits de diagnóstico podem ter protegidas sondas, iniciadores, anticorpos e marcadores, além de processos de produção desses materiais [10].

· Terapias avançadas: nestes casos a proteção é ainda mais diversa, incluindo vetores, fragmentos de anticorpos como scfv e sdAb, receptores quiméricos, células, processos de expansão celular e bioprocessos industriais [13,14].

Pedidos de registro de patente para um único produto

O depósito de vários pedidos de patente para o mesmo produto é denominado como evergreening, simbolizando que a empresa dona das patentes teria sempre um sinal verde (green) para exploração exclusiva da tecnologia [18]. Tendo em vista que os depósitos dos diferentes pedidos de patente ocorrem em datas diferentes, frequentemente com anos de distância, se somadas todas as patentes de um mesmo produto, o tempo de proteção patentária com frequência extrapola os 20 anos [17,18].

Essa situação é alvo de constantes críticas pois acredita-se que a multiplicidade de pedidos de patente para um mesmo produto é devida à vontade deliberada das empresas de prolongar o período de exclusividade e não à descoberta de diferentes problemas técnicos ao longo do processo de pesquisa e desenvolvimento [17,18].

Como buscar patentes registradas

Sabendo que um produto dificilmente estará protegido em uma única patente é importante que o profissional tenha ferramentas para a busca por esses documentos, que segue metodologias semelhantes a algumas utilizadas em saúde baseada em evidências, como às de uma revisão sistemática:

· Definir uma pergunta de pesquisa, no caso: “Quais patentes protegem a tecnologia em saúde avaliada?”

· Definir as bases de dados relevantes para o tema

· Elaborar estratégias de busca robustas, estruturadas e exaustivas

· Triar os resultados conforme critérios pré-estabelecidos, nesse caso as características técnicas do produto avaliado

· Extrair os dados relevantes dos documentos elegíveis

· Sintetizar os resultados em um modelo apropriado, conforme a necessidade de cada caso

 

Bases para a busca de registros de patentes

As bases de dados de acesso livre mais utilizadas para esse tipo de avaliação são:

· Espacenet (https://worldwide.espacenet.com/).

· Patentscope (https://patentscope.wipo.int/search/pt/search.jsf)

· Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) (https://www.gov.br/inpi/pt-br). · Pat-Informed (https://www.wipo.int/patinformed/)

· Orange Book (https://www.accessdata.fda.gov/scripts/cder/ob/index.cfm)

· Purple Book (https://www.fda.gov/drugs/therapeutic-biologics-applications-bla/purple-book-lists-licensed-biological-products-reference-product-exclusivity-and-biosimilarity-or)

· Patent Register (https://www.canada.ca/en/health-canada/services/drugs-health-products/drug-products/patent-register.html)

· DrugBank (https://go.drugbank.com/).

 

Autores: Camila Cruz. Aluna de pós-graduação do programa de Saúde Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Citar como: Cruz C. Patentes e propriedade intelectual de tecnologias em saúde. Estudantes para melhores evidências. Cochrane. Disponível em: [adicionar link da página da web]. Acessado em [adicionar dia, mês e ano de acesso].

 

Referências

[1] Chien C V., Halkowski N, Kuhn J. Distinguishing and predicting drug patents. Nat Biotechnol 2023;41:317–21. https://doi.org/10.1038/s41587-023-01703-0.

[2] Nascimento MLF, Zanotto ED. On the first patents, key inventions and research manuscripts about glass science & technology. World Patent Information 2016;47:54–66. https://doi.org/10.1016/j.wpi.2016.10.002.

[3] Ouyang X, Sun Z, Xu X. Patent system in the digital era – Opportunities and new challenges. Journal of Digital Economy 2022;1:166–79. https://doi.org/10.1016/j.jdec.2022.12.003.

[4] World Trade Organization. Annex 1c Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights. MOROCO: Uruguay Round of Multilateral Trade Negotiations; 1994.

[5] Presidência da República. Lei No 9.279 de 14 de maio de 1996. Brasil: 1996.

[6] Barbosa DB. Da utilidade industrial como requisito das patentes. Revista Da Propriedade Intelectual, Direito Contemporâneo e Constituição 2015;09:041–66.

[7] Instituo Nacional da Propriedade Industrial. Diretrizes de Exame de Pedidos de Patente – Bloco I. 2013.

[8] Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Diretrizes de Exame de Pedidos de Patente – Bloco II – Patenteabilidade. 2016.

[9] Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Modalidades de trâmite prioritário n.d. https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/patentes/tramite-prioritario/modalidades-de-tramite-prioritario-de-patentes (accessed April 14, 2024).

[10] de Avelar DM, Santos CC, Fusaro Faioli A. Developments in Leishmaniasis diagnosis: A patent landscape from 2010 to 2022. PLOS Global Public Health 2023;3:e0002557. https://doi.org/10.1371/journal.pgph.0002557.

[11] Li M, Ren J, Si X, Sun Z, Wang P, Zhang X, et al. The global mRNA vaccine patent landscape. Hum Vaccin Immunother 2022;18. https://doi.org/10.1080/21645515.2022.2095837.

[12] Al-Horani RA. Targeting factor XI(a) for anticoagulation therapy: a patent landscape. Pharm Pat Anal 2020;9:3–5. https://doi.org/10.4155/ppa-2020-0002.

[13] Hernández-Melchor D, López-Bayghen E, Padilla-Viveros A. The patent landscape in the field of stem cell therapy: closing the gap between research and clinic. F1000Res 2023;11:997. https://doi.org/10.12688/f1000research.123799.3.

[14] Yuan Y, Fu Q, Zhang Y, Xu D, Wu Y, Qiu Q, et al. CAR-based cell therapy: evaluation with bibliometrics and patent analysis. Hum Vaccin Immunother 2021;17:4374–82. https://doi.org/10.1080/21645515.2021.1947100.

[15] Goli VAR, Butreddy A. Biosimilar monoclonal antibodies: Challenges and approaches towards formulation. Chem Biol Interact 2022;366:110116. https://doi.org/10.1016/j.cbi.2022.110116.

[16] Liu K, Yang J, Deng J, Fan X, Hu Y. Global Patent Landscape of Benign Prostatic Hyperplasia Drugs. Urology 2022;166:209–15. https://doi.org/10.1016/j.urology.2022.03.008.

[17] Beall RF, Nickerson JW, Kaplan WA, Attaran A. Is Patent “Evergreening” Restricting Access to Medicine/Device Combination Products? PLoS One 2016;11:e0148939. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0148939.

[18] Siddalingaiah S, Fugh‐Berman A. Evergreened drugs or evergreened profits? J Eval Clin Pract 2022;28:1119–26. https://doi.org/10.1111/jep.13695.

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