Análise por tratamento recebido (as treated) e análise por protocolo (per protocol)

Publicado por 31 de Julho de 2021 em

Tutoriais e Fundamentos

A adesão dos participantes aos tratamentos a eles atribuídos em um ensaio clínico nem sempre é alcançada, e nem todas as medidas planejadas para os desfechos podem ter sido realizadas. Diante de um cenário de adesão incompleta e/ou dados faltantes, os resultados obtidos podem estar enviesados e a validade do estudo comprometida (1).

É desejável que a perda de participantes ou dados não ocorra, porém, caso aconteça, há algumas estratégias descritas na literatura para lidar com essa questão, cada qual com suas vantagens e limitações. Três estratégias conhecidas são: análise por intenção de tratar (intention to treat), análise por tratamento recebido (as treated) e a análise por protocolo (per protocol). Todas as análises apresentam limitações de aplicação e não devem ser consideradas soluções para o problema de não adesão ao tratamento. A abordagem escolhida deve ser detalhadamente descrita nos estudos e os resultados avaliados criticamente.

Neste post vamos conhecer um pouco mais sobre as duas últimas.

Na análise por tratamento recebido, como o próprio nome sugere, considera-se o tratamento de fato recebido por cada participante e não o tratamento para o qual este foi originalmente alocado (1,2).

Na análise por protocolo, são incluídos apenas os indivíduos que cumpriram o que estava programado no protocolo, ou seja, apenas aqueles que receberam de forma completa o tratamento para o qual foram alocados originalmente (apenas um subconjunto de participantes é considerado na análise) (1).

A adoção destas estratégias está associada a algumas limitações como:

  • A comparabilidade entre os grupos é perdida, pois a randomização é violada e o estudo passa a adquirir características de um estudo observacional e não mais de um ensaio clínico randomizado (1).
  • O estudo poderá apresentar fatores de confusão importantes em situações em que a adesão ou não dos pacientes ao grupo de alocação estiver relacionada a fatores prognósticos.

Para exemplificar, considere um ensaio clínico randomizado desenhado para investigar os efeitos da ‘coronarina’ versus nenhuma intervenção na prevenção de doenças coronarianas. Suponha que a ‘coronarina’ não reduza o risco de doença coronariana. É possível que os pacientes com histórico familiar de doença coronariana sejam mais aderentes à ‘coronarina’. Na análise por tratamento recebido e na análise por protocolo, é possível que se detecte um maior risco de doenças coronarianas no grupo que recebeu a ‘coronarina’ devido ao viés dos resultados por uma ‘auto-seleção’ de pessoas com maior risco. No planejamento original, o histórico familiar estava balanceado entre os grupos, mas com a violação da randomização, o grupo ‘coronarina’ ficou com um número mais elevado de pessoas com maior risco de doença coronariana do que o grupo que não recebeu a intervenção. É possível que o efeito preventivo da ‘coronarina’ seja subestimado.

No mesmo exemplo, ao substituir o fator ‘histórico familiar’ por ‘prática de hábitos saudáveis’, o viés continuaria existindo, mas poderia talvez, favorecer um efeito benéfico da ‘coronarina’(3).

  1. Hernan MA, Hernandez-Diaz S. Beyond the intention-to-treat in comparative effectiveness research. Clin Trials. 2012;9(1):48-55.
  2. Higgins JPT SJ, Page MJ, Elbers RG, Sterne JAC. Chapter 8: Assessing risk of bias in a randomized trial. In: Higgins JPT, Thomas J, Chandler J, Cumpston M, Li T, Page MJ, Welch VA (editors). Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions version 61 (updated September 2020) Cochrane, 2020.Available from: training.cochrane.org/handbook.

 

Autoria: Izabel Monteiro Dhyppolito. Cirurgiã-dentista – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Doutoranda em Saúde Coletiva/Epidemiologia – Instituto de Medicina Social (UERJ).

 

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