Efeito carry-over
Publicado por 22 de Agosto de 2024 em Estudantes para Melhores Evidências
Efeito carry-over
Definição
O efeito carry-over, ou efeito de transferência, é um fenômeno que pode acontecer em ensaios clínicos. Ele ocorre quando o efeito de um tratamento continua após a suspensão do mesmo, sendo que a resposta a um novo tratamento também se deve em parte ao tratamento anterior. Esse efeito pode afetar qualquer ensaio clínico em que os indivíduos sejam testados mais de uma vez, como em estudos cruzados (cross-over), nos quais cada paciente serve como seu próprio controle [1]. O efeito carry-over pode gerar um “efeito de ordem”, que ocorre quando, em um estudo experimental, as respostas dos participantes em diversas condições são afetadas pela ordem das intervenções recebidas. Assim, esse efeito tem impacto nos resultados e pode desviá-los da verdade [2].
Como identificar
Alguns aspectos podem ser indicativos do efeito carry-over e devem ser vistos com cuidado, entre eles:
- Efeito de prática: quando os participantes executam melhor uma tarefa em condições posteriores pois tiveram oportunidade de praticá-la antes [2].
- Efeito de fadiga: quando os participantes realizam a pior tarefa em condições posteriores pois ficaram cansados ou entediados de tanto praticá-las [2].
- Habituação: quando a exposição repetida a um estímulo pode levar à redução da capacidade de resposta, uma vez que o estímulo pode tornar-se mais familiar ou esperado [3].
- Sensibilização: ocorre quando a exposição a um estímulo pode ocasionar resposta mais forte a um outro estímulo [3].
- Contraste: quando a exposição a uma determinada condição pode modificar respostas em outras condições, uma vez que os participantes podem comparar os tratamentos, o que pode influenciar os resultados [3].
- Adaptação: quando ocorre adaptação ao tratamento, o que pode aumentar ou diminuir a capacidade de resposta, como por exemplo na tolerância medicamentosa [3].
Como evitar
Período de washout
Considere um ensaio clínico cross-over (para saber mais sobre este delineamento, acesse https://eme.cochrane.org/classificacao-e-tipos-de-ensaios-clinicos/) [5], no qual serão testados três medicamentos (A, B e C) que serão recebidos, cada um deles, por três grupos randomizados de participantes (1, 2 e 3), em diferentes momentos. Como os participantes são seus próprios controles e cada um deles fará uso dos três medicamentos, é preciso evitar que os efeitos do medicamento A sejam mantidos quando for introduzido o medicamento B, assim como o medicamento B não deve apresentar seus efeitos quando for introduzido o medicamento C. Para isso, é adotado um período de washout, intervalo no qual os grupos (1, 2 e 3) permanecerão sem nenhum medicamento antes que o próximo medicamento seja iniciado (Quadro 1) [4].
Latin square design
O risco do efeito carry-over se torna maior de acordo com o aumento do número de intervenções a serem realizadas. Uma estratégia para minimizar e/ou controlar a ocorrência desse efeito, é o latin square design, uma matriz em formato de quadrado perfeito (n x n), onde é possivel distribuir os grupos (1, 2 e 3), os períodos (8 semanas) e as intervenções (A, B e C) para cada período. Com isso, é possível determinar uma sequência onde as intervenções não se repetem e seguem uma ordem fixa, promovendo uma melhor compreensão e controle da ocorrência de efeito carry-over (Quadro 1) [4].
Quadro 1: Latin square design e período de washout – exemplo
1ª e 2ª semana |
3ª Semana (washout) |
4ª e 5ª semana |
6ª Semana (washout) |
7ª e 8ª semana |
|
Grupo 1 |
A | Sem tratamento | B | Sem tratamento | C |
Grupo 2 | B | Sem tratamento | C | Sem tratamento | A |
Grupo 3 | C | Sem tratamento | A | Sem tratamento |
B |
Randomização da ordem das intervenções
Outra estratégia para lidar com o efeito carry-over é contrabalancear. Nesse método, o pesquisador distribui as intervenções em ordens diferentes para pacientes diferentes, de modo randômico, para que o efeito se distribua de modo homogêneo nos grupos [3]. No exemplo anterior, seriam necessários 6 grupos diferentes, cada um com uma ordem de medicamentos diferentes:
- A, B, C.
- A, C, B.
- B, A, C.
- B, C, A.
- C, A, B.
- C, B, A.
Autores: Isabelle Crisolana Coelho, Júlia Vitória De Nóbrega Melo, Mariana Constancio Caruso, Natãn Huyan Sousa Martins, Nicoly Silva Soteras, Rafaela Francisquetti Barnes, Ricardo dos Santos Silva. Alunos de graduação da Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Supervisora: Rachel Riera. Professora adjunta, Disciplina de Medicina Baseada em Evidências, Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Citar como: Coelho IC, Melo JVDN, Caruso MC, Martins NHS, Soteras NS, Barnes RF, Silva RS, Rier R. Efeito carry-over. Estudantes para melhores evidências. Cochrane. Disponível em [adicionar link]. Acessado em [adicionar dia, mês e ano].
Referências
- Cleophas TJM. Carryover bias in clinical investigations. Journal of clinical pharmacology. 1993;33(9):799–804. Disponível em: https://accp1.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/j.1552-4604.1993.tb01954.x. Acessado em 13 de agosto de 2024.
- Price PC. Experimemntal designs. In: research methods in psychology. Disponível em: https://opentext.wsu.edu/carriecuttler/chapter/experimental-design/. . Acessado em 13 de agosto de 2024.
- Bordens KS, Abbott BB. Research design and methods: a process approach. 8. ed. Maidenhead, England: McGraw Hill Higher Education, 2010.
- Spieth PM, Kubasch AS, Penzlin AI, Illigens BM, Barlinn K, Siepmann T. randomized controlled trials – a matter of design. Neuropsychiatr Dis Treat. 2016;12:1341-9.
- Oliveira ACZ, Domingues CP, Oliveira GAF, Morisita GJ, Ouverney LFF, Rocha LM, Riera R. Classificação e tipos de ensaios clínicos. Estudantes para melhores evidências. Cochrane. Disponível em: https://eme.cochrane.org/classificacao-e-tipos-de-ensaios-clinicos/. Acessado em 13 de agosto de 2024.