Estudos de tradução e adaptação transcultural de ferramentas em saúde
Publicado por 13 de Agosto de 2024 em Estudantes para Melhores Evidências
Contexto
Ferramentas de avaliação em saúde, como questionários de qualidade de vida, ferramentas e escores são validados considerando uma cultura e um idioma específicos. Para serem utilizados em outro contexto, devem passar por um processo de tradução e adaptação transcultural. Este processo visa garantir a validade e a confiabilidade dos instrumentos de avaliação em diferentes contextos culturais e linguísticos. A adaptação inadequada pode levar a interpretações equivocadas dos dados, resultando em conclusões imprecisas e potencialmente prejudicando a validade dos estudos realizados com aquele instrumento.
Tal adaptação é repleta de “armadilhas” metodológicas. Por exemplo, frases coloquiais, jargões, expressões idiomáticas e significados ambíguos de palavras comumente usados na língua original podem afetar sua validade. Desenvolver um instrumento traduzido culturalmente equivalente requer familiaridade com problemas básicos de adaptação linguística, construções culturais, termos técnicos referentes ao objeto estudado e mudanças psicométricas inerentes ao processo de tradução. Simplesmente traduzir uma versão palavra por palavra não é adequado para considerar as diferenças linguísticas e culturais [1].
Atualmente, o método mais utilizado para desenvolver este desenho de estudo, foi proposto por Guillemin e contém um conjunto de instruções padronizadas, que é aceito até os dias atuais como uma técnica apurada para uma tradução com elevada equivalência cultural [2].
Etapas de um estudo de tradução e adaptação transcultural
As etapas de um estudo deste tipo podem ser resumidas nas seguintes etapas [2]:
- Tradução: este processo deve ser realizado por, pelo menos, dois tradutores independentes, qualificados, culturalmente representativos da população alvo e com conhecimento dos objetivos do instrumento, para que traduzam dentro do contexto adequado.
- Avaliação da tradução inicial (back-translation): uma vez traduzido, o instrumento deve ser vertido para o idioma original e o resultado comparado ao instrumento de origem. Falhas na primeira tradução podem ser amplificadas na retrotradução, facilitando sua identificação. Os retrotradutores, por sua vez, não devem ter conhecimento dos objetivos do instrumento, sendo assim livres de preconceitos e expectativas, para que sua retrotradução revele possíveis interpretações inesperadas.
- Revisão por um comitê: o comitê deve ser formado por uma equipe multidisciplinar que conheça o tema a ser pesquisado, além da finalidade do instrumento e dos conceitos a serem analisados. Nesta etapa, participantes bilíngues são de especial valor. O comitê tem por finalidade produzir uma versão final do instrumento, baseado na tradução equivalente pelo método de retrotradução, e deve revisar inclusive a introdução e instruções do instrumento.
- Pré-teste: esta etapa tem por objetivo verificar a equivalência da versão final do instrumento, avaliando erros e desvios cometidos na tradução do mesmo. No pré-teste, o instrumento deve ser utilizado em um número de casos limitados, apenas para tentar verificar alguma discrepância ou erro durante sua prática.
- Adaptação dos pesos de cada medida: pode-se considerar adaptar os pesos de cada medida quando houver método de pontuação atrelado ao instrumento. Essa ponderação pode exigir reavaliação baseada na população-alvo, utilizando tanto julgamento de especialistas quanto abordagens matemáticas para obter pesos adaptados à cultura.
Etapas posteriores
Além da tradução, é importante que o instrumento seja testado para avaliar sua confiabilidade e validade. utilizando metodologia apropriada em etapas posteriores.
- Confiabilidade
A confiabilidade é a capacidade de um instrumento de reproduzir um resultado de forma consistente no tempo e no espaço, demonstrando quão estável, consistente ou preciso é um instrumento. Trata-se de um dos critérios principais de qualidade de um instrumento e não é uma propriedade fixa do instrumento, dependendo do contexto no qual o mesmo é aplicado. Desta forma, deve ser interpretada considerando essa característica. Os três principais critérios de confiabilidade são:
- Estabilidade: é o grau em que resultados similares são obtidos em dois momentos distintos, ou seja, é a estimativa da consistência das repetições das medidas.
- Consistência interna (ouu homogeneidade): indica se todas as subpartes de um instrumento medem a mesma característica.
- Equivalência: concordância entre dois ou mais avaliadores com relação aos escores do instrumento.
- Validade
A validade refere-se à propriedade de um instrumento medir exatamente o que se propõe a medir é também não é uma característica fixa do instrumento, mas sim do que se deseja medir com aquele instrumento em uma população específica. É possível avaliar r a validade do instrumento de 3 formas:
- Validade de conteúdo: é a avaliação do quanto uma amostra de itens é representativa de um universo dentro de um conteúdo.
- Validade de critério: é a relação entre as pontuações de um instrumento e algum critério externo considerado “padrão-ouro”.
- Qualidade de construto: é a maneira que um determinado conjunto de variáveis realmente representa o que se deseja medir com o instrumento.
Conclusões
Em síntese, adaptar uma medida já existente ao contexto cultural de uma população-alvo permite que seja estabelecida uma métrica comum para diferentes contextos culturais, proporciona uma medida padrão para estudos internacionais, viabiliza comparações entre grupos nacionais/culturais de forma transcultural, facilita a inclusão de imigrantes e é uma abordagem mais econômica e rápida do que criar um novo instrumento. Para isso é fundamental que o processo de adaptação transcultural siga guias metodológicos apropriados.
Autores: Carla Salomão, Daniela Takano, Elisa Scandiuzzi, Izadora Amaral, Moyses Lemos.
Citar como: Salomão C, Takano D, Scandiuzzi E, Amaral I, Lemos M. Estudos de tradução e adaptação transcultural de ferramentas em saúde. Estudantes para melhores evidências. Cochrane. Disponível em: [adicionar link da página da web]. Acessado em [adicionar dia, mês e ano de acesso].
Referências
- Hilton A, Skrutkowski M. Translating instruments into other languages: development and testing processes. Cancer Nursing, v. 25, n.1, p.1–7,2002. Disponível em: https://doi.org/10.1097/00002820-200202000-00001. Acessado em: 24 de junho de 2024.
- Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. Journal of Clinical Epidemiology, v. 46, n. 12, p. 1417–1432, 1993. Disponível em: https://doi.org/10.1016/0895-4356(93)90142-n. Acessado em: 24 de junho de 2024.