O que é overdiagnosis

Publicado por 9 de Maio de 2022 em

Tutoriais e Fundamentos

Contexto 

Nos dias de hoje, um pensamento frequente na área da saúde é que fazer mais é melhor. Essa concepção se associa ao contexto de crescente avanço tecnológico que inclui o desenvolvimento de novos procedimentos diagnósticos e terapêuticos. 

Diante de de inúmeras novidades, a atuação do profissional da saúde tem, por vezes, se distanciado da máxima hipocrática “Primum Non Nocere” (em primeiro lugar não causar o mal do paciente), uma vez que o uso demasiado de procedimentos médicos pode ser desnecessário e até mesmo nocivo em alguns casos. Até aqui, todas essas reflexões estão relacionadas com um tema muito importante para a medicina baseada em evidências, o fenômeno de overdiagnosis (sobrediagnóstico). 

Definição de overdiagnosis 

Overdiagnosis ou sobrediagnóstico é um diagnóstico correto, porém em um contexto em que, caso a condição não fosse diagnosticada, não levaria a sintomas ou morte. Ou seja, um diagnóstico verdadeiro de uma doença cuja história natural não causaria sintomas e nem a mortem [1]. Assim, é importante pontuar que overdiagnosis não é um diagnóstico errado ou um resultado falso positivo. 

Por não alterar o prognóstico ou a história natural da doença, o fenômeno de overdiagnosis expõe o paciente a possíveis danos sem acrescentar benefícios. Sendo, portanto, uma prática que pode configurar como erro médico e deve ser evitada, a fim de exercer a prevenção quaternária, justamente o nível de prevenção que visa evitar iatrogenia [1]. 

O fenômeno de overdiagnosis acontece quando a o rastreamento e detecção precoce de doenças em pessoas assintomáticas aumenta. Isso inclui excesso de triagem de indivíduos assintomáticos, aumento da possibilidade de diagnosticar alterações ainda no nível celular e molecular em fase pré-clínica, excesso de investigação daqueles com sintomas, muita confiança em biomarcadores, e outros.  

Overdiagnosis no rastreamento de câncer 

Um exemplo didático para entender overdiagnosis envolve o rastreamento de câncer. Primeiro deve-se lembrar que existem diferentes velocidades de desenvolvimento de um câncer [2]: 

  • Há aqueles de evolução rápida, que causam a morte do paciente dentro de um curto prazo e nem mesmo o diagnóstico e o tratamento precoces seriam capazes de alterar o desfecho.  
  • Há aqueles de evolução lenta, no quais o rastreamento e o tratamento precoces podem impactar a sobrevida do paciente. 
  • Há aqueles de evolução muito lenta ou não progressiva, em que o paciente provavelmente não chegaria a manifestar sintomas e não viveria tempo suficiente para morrer por causa desse câncer.  

É neste último caso, do câncer de evolução muito lenta ou do câncer não progressivo que ocorre o overdiagnosis. 

Em relação ao câncer, dados da literatura sugerem que o risco de overdiagnosis pode chegar a 24% no rastreamento de câncer de mama por mamografia [3] e a 48 a 60% no rastreamento de câncer de próstata pelo antígeno prostático-específico (PSA) [4]. Há também o exemplo do câncer de tireoide na Coreia do Sul: de 1999 a 2008, a incidência de câncer de tireoide aumentou 6,4 vezes, mas 95% desses cânceres eram pequenos (<20mm), e eles foram detectados principalmente por meio de triagem. A mortalidade por câncer de tireoide permaneceu essencialmente inalterada durante o mesmo período [5]. 

Overdiagnosis em outras situações 

Quanto mais testes e exames forem solicitados, maior a probabilidade de diagnóstico de uma “doença”. Isto é particularmente problemático quando há poucas evidências de que a detecção precoce melhora os desfechos. O uso crescente de tecnologias de diagnóstico de alta resolução aumenta o risco de superdetecção [6].  

A angiotomografia de alta resolução pode identificar pequenos êmbolos pulmonares subsegmentares que podem não precisar de tratamento. O uso de imagem avançada também levar à superdetecção por encontrar incidentalomas, anormalidades “surpresa” não relacionadas ao motivo original para o qual foi feito o teste, por exemplo, quando uma tomografia de tórax é feita para acompanhamento de um nódulo pulmonar e detecta pequenos adenomas adrenais. A superdetecção, seja qual for a causa, é um problema complexo, porque não é possível saber quais anormalidades podem progredir. 

Assim, o overdiagnosis não se limita ao rastreamento do câncer, pois abrange muitas outras atividades preventivas. Aqui estão alguns exemplos [6]:  

  • exames gerais de saúde (check-up); 
  • diagnóstico pré-natal com DNA fetal sem avisar a mãe sobre resultados que dizem respeito a ela mesma;
  • rastreamento de aneurisma de aorta em mulheres; 
  • triagem de escoliose na escola; 
  • monitorização fetal eletrônico com doppler de rotina; 
  • triagem de fibrilação atrial; 
  • triagem para HCV em adultos que não estão em risco elevado; 
  • exame de imagem da artéria carótida. 

Conclusão 

O tema overdiagnosis é complexo e relevante. Ele está diretamente ligado a medicina baseada em evidências e deve ser de conhecimento de todo estudante e profissional de área da saúde, justamente para construir uma medicina voltada para a tomada de melhores decisões e maior envolvimento do paciente no processo saúde-doença. 

 

Autores: Isabela Muzetti, aluna de graduação da Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Darizon José de Oliveira Filho, Regis Rodrigues Vieira, alunos de pós-graduação em Saúde Baseada em Evidências, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). 

Supervisora: Rachel Riera. Professora adjunta, Disciplina de Medicina Baseada em Evidências, Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).  

Citar como: Muzetti I, Oliveira Filho DJ, Vieira RR. Riera R. O que é overdiagnosis? Estudantes para Melhores Evidências. Cochrane. Disponível em: [adicionar link da página da web]. Acessado em: [adicionar dia, mês e ano de acesso]. 

 

Referências 

  1. Brodersen J, Schwartz LM, Heneghan C, O’Sullivan JW, Aronson JK, Woloshin S. Overdiagnosis: what it is and what it isn’t. BMJ Evid Based Med. 2018;23(1):1-3. doi: 10.1136/ebmed-2017-110886.  
  2. Brodersen J, Schwartz LM, Woloshin S. Overdiagnosis: how cancer screening can turn indolent pathology into illness. APMIS. 2014. doi: 10.1111/apm.12278  
  3. Zackrisson S, Andersson I, Janzon L, Manjer J, Garne JP. Rate of overdiagnosis of breast cancer 15 years after end of Malmö mammographic screening trial: follow-up study. BMJ. 2006;332(7543):689– 692.  
  4. Welch HG, Black WC. Overdiagnosis in cancer. J Natl Cancer Inst. 2010;102(9):605-13. doi: 10.1093/jnci/djq099.   
  5. Park S, Oh CM, Cho H, Lee JY, Jung KW, Jun JK, et al. Association between screening and the thyroid cancer “epidemic” in South Korea: evidence from a nationwide study. BMJ. 2016 ;355:i5745. doi: 10.1136/bmj.i5745.  
  6. Gérvas J. Medicine and its Preventive Excesses. Acta Med Port. 2018;31(2):74-75. doi: 10.20344/amp.10288. Epub 2018 Feb 28. PMID: 29596765. 

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