Políticas Informadas por Evidências (PIE)

Publicado por 11 de Janeiro de 2023 em

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Contexto 

O processo de tomada de decisão e de formulação de políticas em saúde é complexo e influenciado por múltiplos fatores contextuais e atores sociais [1]. Levando em consideração que as políticas são medidas implementadas para resolução de problemas prioritários, quanto mais os tomadores de decisão se apoiarem em evidências confiáveis, maior a probabilidade de sucesso da política [2,3]. 

Entretanto, na prática, frequentemente nos deparamos com o chamado know-do-gap (lacuna entre o saber e o fazer), um distanciamento entre o conhecimento técnico-científico existente sobre um assunto e a sua aplicação prática para a resolução de problemas. Isso pode ocorrer por vários motivos, entres eles: 

  • Pouca colaboração entre tomadores de decisão e pesquisadores ou produtores de   evidências; 
  • Dificuldade de acesso ou interpretação das evidências, que podem estar disponíveis apenas em linguagem técnica, tornando complexa sua compreensão.  
  • Escassez de instrumentos para facilitar o uso das evidências de modo sistemático na prática assistencial ou de gestão [4,5].  

 

O que são Políticas Informadas por Evidências   

O termo Políticas Informadas por Evidências (PIE) tem sido utilizado para definir um conjunto de mecanismos implementados para estimular e facilitar a incorporação de evidências científicas durante o processo de priorização, formulação, implementação e avaliação de políticas em saúde. Têm o objetivo de incorporar resultados de pesquisas nos debates de políticas e nos processos internos do setor público para qualificar as escolhas em saúde e assegurar que a tomada de decisão seja informada pelas melhores evidências disponíveis [6,7].  

Para a compreensão das PIE é necessário entender os fatores que influenciam a  tomada de decisão, além do processo conhecido como “tradução do conhecimento”. 

 

Modelo de Kingdon: fatores que influenciam a tomada de decisão 

Um dos modelos mais utilizados para esquematizar fatores que influenciam o contexto da formulação de políticas e tomada de decisão é o Modelo de Kingdon. Esse modelo divide os fatores em diferentes fluxos [8,9]: 

  • Fluxo dos problemas: fatores que fazem com que um problema ganhe maior visibilidade em determinado momento. (ex. acontecimento de evento crítico, exposição na mídia, valores pessoais de tomadores de decisão, atuação de empreendedores de políticas). 
  • Fluxo político: contexto político do momento, interesse de gestores e tomadores de decisão em apoiar a política. 
  • Fluxo das políticas: disponibilidade de recursos técnico-científicos e de infraestrutura para a implementação da política.

Quando temos condições favoráveis em todos os fluxos, dizemos que estamos diante de uma janela de oportunidade para a análise de evidências para a elaboração de uma política [8,9]. 

 

Tradução do Conhecimento 

As PIE são o resultado do processo contínuo, sistemático e transparente de busca e avaliação das melhores evidências disponíveis, além de sua incorporação na tomada de decisão para a resolução de um problema prioritário. As PIE estão relacionadas ao conceito de Tradução do Conhecimento (Knowledge Translation), que significa transferir o que aprendemos com as pesquisa para situações práticas em determinado contexto [10]. Inclui também o processo de reconhecimento de opções para a resolução de um problema de saúde ou sanitário, vivenciado por um omunidade  seguido da busca, síntese, disseminação e aplicação ética do conhecimento e das evidências científicas para a resolução deste problema [11-12].  

 

Passos das Políticas Informadas por Evidências   

Assim como ocorre na Prática Clínica Baseada em Evidências [13], a implementação das Políticas Informadas por Evidências é estruturada em passos [7]: 

  • Apoio institucional às PIE 

 

É importante que sejam implementadas medidas para estimular as PIE de maneira contínua. Por exemplo, a instituição deve buscar profissionais capacitados para a elaboração de PIE, é necessária a colaboração entre pesquisadores e os tomadores de decisão (ecossistema de evidências), identificação de barreiras em mecanismos para a identificação e uso de evidências e procura de soluções para os problemas detectados.   

  • Identificação e priorização de problemas para serem abordados 

 

Descrever a natureza e a magnitude do problema a ser enfrentado é fundamental para saber qual a necessidade de evidências para enfrentá-lo. Em alguns casos, serão necessárias evidências justamente para a compreensão do problema. Em outros contextos, as evidências serão utilizadas para listar opções de solução dos problemas ou para identificar barreiras para implementação desta opções. 

  • Identificação e avaliação das evidências 

 

Existem vários tipos de evidências, apresentadas em diferentes formatos e nem todas elas são igualmente confiáveis. Assim, é necessário um pensamento crítico associado ao conhecimento técnico para identificar as evidências mais robustas, e avliar sa apicabilidade no contexto local. Este processo é realizado, preferencialmente, por meio de um documento chamado Síntese de Evidências para Políticas [3]. 

  • Transferência das evidências para o processo de decisão 

 

A tomada de decisão é o desfecho de todo o processo da análise contextual e da tradução do conhecimento. As evidências devem apoiar conclusões e servir como subsídio para as políticas. Entretanto, para que a política seja o mais efetiva possível na resolução do problema, é necessário que as evidências sejam consideradas juntamente com outros aspectos como o diálogo e a troca de experiência entre atores sociais, e a ponderação sobre vantagens e desvantagens de cada opção analisada. Uma vez implementada, é essencial que haja uma contínua avaliação dos impactos e dos resultados para que o processo possa ser aprimorado. 

 

Conclusão 

O uso das melhores evidências disponíveis como subsídio para a elaboração de políticas é importante para a obtenção de bons resultados no enfrentamento de problemas prioritários em saúde. As Políticas Informadas por Evidências contribuem com a transferência e aplicação do conhecimento científico para a prática de modo sistematizado, transparente e equânime. 

 

Autor: Fábio Yuji Furukawa. Médico Residente (R2), Programa de Residência de Medicina da Família e Comunidade, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (FMUSP).     

Supervisão: Rachel Riera. Coordenadora, Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde, Hospital Sírio-Libanês (NATS-HSL). Professora adjunta, Disciplina de Medicina Baseada em Evidências, Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).  Rafael Leite Pacheco. Pesquisador,  Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde, Hospital Sírio-Libanês (NATS-HSL). Professor, Centro Universitário São Camilo (CUSC). 

Citar como: Furukawa FY, Pacheco RL, Riera R.  Políticas Informadas por Evidências (PIE) . Estudantes para Melhores Evidências. Cochrane. Disponível em: [adicionar link da página da web]. Acessado em [adicionar dia, mês e ano de acesso].   

 

Referências 

  1. Cortes SV.  Sistema Único de Saúde: espaços decisórios e a arena política de saúde. Caderno de Saúde Pública. 2009;25(7): 1626-33. 
  2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Síntese de Evidências para Políticas de Saúde: estimulando o uso de evidências científicas na tomada de decisão / Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Ciência e Tecnologia. – 1. ed. – 1. reimpr. – Brasília : Ministério da Saúde, 2015.  
  3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretriz metodológica : síntese de evidências para políticas [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Departamento de Ciência e Tecnologia. – Brasília : Ministério da Saúde, 2020. 70 p. : il. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretriz_sintese_evidencias_politicas.pdf. Acessado em 16 de dezembro de 2022. 
  4. Partridge ACR, Mansilla C, Randhawa H, Lavis JN, El-Jardali F, Sewankambo NK. Lessons learned from descriptions and evaluations of knowledge translation platforms supporting evidence-informed policy-making in low- and middle-income countries: a systematic review. Health Res Policy Syst. 2020;18(1):127. doi: 10.1186/s12961-020-00626-5. PMID: 33129335; PMCID: PMC7603785.  
  5. Becker LA, Loch MR, Rodrigo Siqueira R. Barreiras percebidas por diretores de saúde para tomada de decisão baseada em evidências [Barriers perceived by health directors for evidenced-based decision-making. Obstáculos percibidos por los directores de servicios de salud para la toma de decisiones basada en la evidencia]. Rev Panam Salud Publica. 2017;41:e147. Portuguese. doi: 10.26633/RPSP.2017.147. PMID: 31391836; PMCID: PMC6660854.  
  6. Head B. Evidence-based policy: principles and requirements. In: AUSTRÁLIA. Productivity Commission. Strengthening evidence-based policy in the australian federation: roundtable proceedings. Melbourne, 2010. p. 13-26.  
  7. Oxman AD, Lavis JN, Lewin S, Fretheim A. SUPPORT Tools for evidence-informed health Policymaking (STP) 1: What is evidence-informed policymaking? Health Res Policy Syst. 2009;7 Suppl 1(Suppl 1):S1. doi: 10.1186/1478-4505-7-S1-S1. PMID: 20018099; PMCID: PMC3271820. 
  8. Kingdon JW. Agendas, alternativas and public policies 2. ed. Ann Arbor, : University of Michigan, 2003. 
  9. Gottems LBD, Pires MRGM, Calmon PCD, et al. O modelo dos múltiplos fluxos de Kingdon na análise de políticas de saúde: aplicabilidades, contribuições e limites. Saude Soc. 2013;22(2):511-520. https://doi.org/10.1590/S0104-12902013000200020.  
  10. Straus SE, Tetroe J, Graham I. Defining knowledge translation. Canadian Medical association Journal. 2009;181(¾):165-8.  
  11. Canadian Institutes of Health Research. About us. Montreal, 2016. disponível em: http://www.cihr-irsc. Gc.ca/e/29418.html. Acessado em 16 de dezembro de 2022. 
  12. Kothari A, Mccutcheon C, Graham ID. Defining integrated knowledge translation and moving forward: a response to recent commentaries. International Journal of Health Policy and Management. 2017;6(5): 299- 300. 
  13. Tamura BA, Takahashi CY, Oshiro CH, Bezerra GMS. Riera R. Prática clínica baseada em evidências. Estudantes para Melhores Evidências. Cochrane. Disponível em: https://eme.cochrane.org/pratica-clinica-baseada-em-evidencias/.  Acessado em 16 e dezembro de 2022.    

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